Com música e aprendizado: como foi o encontro de maio do Adote um Vereador
O rádio antigo estava sob uma das mesas —- um das poucas desocupadas de gente. A maior parte delas tinha brasileiros, mas se ouvia também o francês, o alemão e o espanhol. Eram famílias, amigos, namorados e conhecidos que almoçavam e conversavam, enquanto o show programado para o início da tarde de sábado não começava, no café do Pateo do Collegio, centro de São Paulo.
De repente, a voz de locutor antigo soou entre os presentes e fez com que todos baixassem o tom. Era o sinal de que algo especial estaria para acontecer. Desde o mês passado, a administração do Pateo tem levado música para o local onde a cidade foi fundada. Começou com chorinho —- e já soube que o estilo voltará em breve, provavelmente ganhando espaço permanente no calendário.
Nesse sábado — o segundo do mês —- a homenagem era a Garoto, compositor e violonista, nascido em São Paulo, que ganhou o mundo com sua qualidade musical. Autor de Lamentos do Morro, Gente Humilde e Duas Contas, Aníbal Augusto Sardinha —- nome de batismo —- é apontado como o pai do violão moderno.
Na apresentação do violonista Will Winkler-Thor entremeadas pelas histórias contadas por um locutor de rádio, que lembrava as narrações musicais dos anos de 1930 a 1950, os convivas daquela tarde de sábado conheceram um pouco mais do talento de Garoto.
Foi nesse clima que a nossa turma foi se aprochegando, puxando uma cadeira, encostando uma mesa, pedindo um café, uma água, um suco — querendo falar muito e trocar ideias como sempre fazemos no segundo sábado do mês, independentemente do número de pessoas que participam do nosso encontro.
Conforme a mesa foi ficando cheia, nos voltávamos aos assuntos do cotidiano: prefeitura, subprefeitura e falta de prefeitura; câmara, política e ausência de políticas públicas.
Um lembrou das emendas parlamentares e lamentou a nossa falta de estrutura —- nossa, do Adote um Vereador, claro — para fiscalizar com mais rigor o dinheiro que sai do cofre da prefeitura (ou seja, do nosso bolso) e vai parar na conta de gente nem sempre comprometida com as necessidades de São Paulo. Como se consegue monitorar o caminho que esse dinheiro percorre? Será que tem um GPS do dinheiro público?
Nem bem alguém arriscou uma resposta, do outro lado da mesa, ouvi outra pergunta capciosa: quem manda nas subprefeituras? O subprefeito ou o vereador que o indicou?
O olhar de desconfiança e a expressão de dúvida só se transformaram porque o foco da conversa se esvaiu, dada a música de qualidade que soou mais alto no Pateo. Eu tendia a olhar para o rádio, de onde tinha a ilusão de que o programa estava sendo apresentado. Meus companheiros e companheiras, mais céticos olhavam para o palco improvisado no final das mesas.
Conforme corria o bate-papo do locutor, retomávamos a conversa na pretensão de que chegaríamos a uma resposta para todas as perguntas que costumamos nos fazer. Sim, porque nada chega a ser novidade para nós que há mais de 10 anos acreditamos no poder do cidadão e decidimos acompanhar as coisas que acontecem na nossa cidade. Mudou o prefeito, mudam alguns vereadores, mudam os cidadãos, mas a prática política é muito parecida. Tem até quem faça um discurso diferente, mas de tão diferente que quer ser, acaba repetindo o mesmo de sempre.
Verdade que nessa última década ganhamos algumas ferramentas de fiscalização que não tínhamos quando o Adote se iniciou. E uma delas é a Lei de Acesso à Informação que permite que o cidadão —- eu, você e toda a torcida paulistana — possamos pedir informações de nosso interesse aos prestadores de serviço público no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, tanto quanto na União, no Estado e nos municípios.
Aliás, foi o que o Ricardo Viana, um dos participantes do Adote, fez enquanto a música ainda embalava a tarde de sábado, no Pateo. Ali mesmo, entre o violão e suas dúvidas, aprendeu como usar a LAI.
Sob a orientação da Gabriela Pereira, advogada, estudiosa da lei de acesso à informação e nossa colega de Adote, ele usou o Sistema eletrônico de Informação ao Cidadão — e-SIC da prefeitura de São Paulo para saber da Secretaria Especial de Comunicação qual o motivo da mudança feita nos logotipos e símbolos das secretarias municipais, algo comum sempre que uma nova administração assume, mas com custo para o bolso do cidadão.
A própria Gabriela ainda tenta entender como funciona a regra que determina o layout das placas informativas de obras e serviços públicos realizados pela prefeitura —- tema de uma das solicitações feitas por ela através do e-SIC. Na troca de informações e na insistência para chegar a uma explicação, soube que existe um Manual de Identidade Visual. Agora, ela questiona quem “desenhou” o manual, já que discorda da maneira como os dados estão publicados nessas placas, pois não são claros o suficiente para o cidadão comum.
Entre dúvidas, solicitações e aprendizados seguimos com um ouvido no rádio antigo —- ops, no palco —- e outro nas discussões do Adote. O murmurinho das demais mesas completava o ambiente musical ao qual estávamos envolvidos. No fim, todos nós, do Adote ou não, nos unimos para aplaudir a boa música que soava do violão solitário de Will Winkler-Thor.
Até o próximo show!