Cezar Miola
Conselheiro do TCE-RS
Texto publicado originalmente no blog de Fausto Macedo/Estadão
Em quase 40 anos exercendo funções públicas, tenho convivido com a notável experiência de estar próximo do ambiente da gestão governamental, tendo começado, inclusive, no âmbito local, no Município, que é o “palco da vida”. E particularmente nas quase três décadas de atuação no Ministério Público de Contas e no Tribunal de Contas gaúcho, muito desse trabalho incluiu realizar auditorias, apontar irregularidades, emitir pareceres técnicos e jurídicos, recomendar, determinar, sancionar. E orientar, porque essa é uma função muito presente nos órgãos de controle.
Mas, a poucos dias do importantíssimo processo de escolha dos novos administradores e dos vereadores de mais de 5,5 mil municípios brasileiros, considero que a hora seja mais própria a um convite, quiçá um desafio. Que esses novos gestores e representantes dos mais de 200 milhões de brasileiros façam dos próximos quatro anos o exercício diário de ações em defesa da educação e do bem-estar das nossas crianças e jovens. Creches para aquelas de zero a três anos, as quais, ao longo desse período, já deverão ingressar na pré-escola; quanto às que hoje iniciam o ensino fundamental, que concluam essa etapa, e assim sucessivamente. Numa perspectiva de longo prazo, um quadriênio pode parecer pouco, mas poderá ser determinante para a vida de muitos brasileiros. Hoje, temos mais de 6,5 milhões de crianças de até 3 anos fora das creches; 1,5 milhão com idade entre 4 e 17 – faixa na qual o ensino é obrigatório – não estão na escola. De igual modo, cabe ressaltar que a pandemia trouxe efeitos deletérios em termos de mais abandono e evasão. São números impressionantes, mas que podem impactar menos se distribuídos pela grande federação: cada uma das mais de 5 mil células desse todo cuidando da sua parte, empregando verbas próprias e aquelas do Fundeb, além do necessário apoio da União, conforme prevê a Constituição da República.
Ainda na linha propositiva, emerge uma respeitosa reflexão: a possibilidade de se reforçar esses aportes com uma fonte adicional, ou seja, parte dos valores alocados nas emendas parlamentares ao projeto de lei orçamentária. Veja-se: conforme dados do Portal da Transparência, de janeiro de 2018 a outubro de 2020 houve o empenhamento de R$ 47 bilhões em emendas. Desse total, foram pagos R$ 24 bilhões. Embora a exigência (legítima, diga-se) de se reservar parte específica às ações e serviços públicos de saúde, o certo é que, no período, apenas 1,2% deste último total se destinou à educação básica. Nesse quadro, respeitada a legitimidade democrática, parece haver espaço para um precioso incremento de recursos, que ajudariam a concretizar a prioridade que todos defendemos para a educação. Um exemplo de aplicação: investimentos imediatos na inclusão digital, instrumento cada vez mais essencial no processo pedagógico, em benefício de escolas, professores e alunos.
Em outra dimensão, há de se olhar, igualmente, para aspectos como os da gestão e da eficiência. Em inúmeros municípios brasileiros, de diferentes regiões, encontramos evidências que nos permitem assegurar: sabemos como alcançar bons resultados; cabe ter a humildade e o compromisso de adotá-las. Não há soluções mágicas, mas se pode aproveitar o que comprovadamente tem dado certo, inclusive em locais cujas condições socioeconômicas são desfavoráveis. A propósito, veja-se o estudo “Educação que faz a diferença”, elaborado em parceria entre o Instituto Rui Barbosa (IRB) e o Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), disponível neste link.
Não se ignoram os desafios da covid-19, que está longe de ser vencida, mas o convite, a conclamação, o desafio, são para que façamos dos próximos quatro anos o tempo em que, investindo nas pessoas, desde os primeiros anos, construiremos a base para um futuro promissor, menos desigual e de perspectivas para todos os brasileiros, independente da renda das suas famílias ou da cidade onde nasceram. E se os sucessores dos agora eleitos seguirem pela mesma trilha, assegurando todos os meios imprescindíveis, irá se construindo um alentador processo virtuoso.
Mas também se tenha presente que o desempenho positivo não se dá por fatores isolados. Ele só é factível num cenário dialógico entre gestores, profissionais da educação e famílias, todos comprometidos com a responsabilidade educacional, que se traduz na universalização do acesso, na equidade e na qualidade.
Aos que desejarem percorrer tal caminho, posso assegurar: em todos os Estados brasileiros haverá um Tribunal de Contas aliado para ajudar a concretizar esses objetivos.
Texto publicado originalmente no blog de Fausto Macedo/Estadão
*Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB)