Líder de Haddad e campeão de votos disputam vaga no TCM

Do Blog de Diego Zanchetta

Únicos vereadores eleitos por sete mandatos consecutivos desde 1989, Arselino Tatto (PT), líder do governo Fernando Haddad na Câmara, e Roberto Tripoli (PV), campeão de votos nas eleições de 2012, travam uma acirrada disputa pela indicação à vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Município (TCM). A vaga foi aberta com a aposentadoria, publicada ontem no Diário Oficial da Cidade, do conselheiro Eurípedes Sales, de 70 anos.

A corte do TCM, formada por cinco conselheiros (entre eles quatro ex-vereadores), é responsável por analisar e fiscalizar anualmente cerca de R$ 20 bilhões em contratos do Executivo e do Legislativo. As bilionárias licitações do lixo e do transporte público, por exemplo, são auditadas pelo Tribunal, que tem 700 funcionários e verba anual de R$ 200 milhões. São eles também que precisam todos os anos aprovar as contas do prefeito – se for rejeitada, a contabilidade torna inelegível o chefe do Executivo por quatro anos.

Tamanho poder e influência resultaram em duas indicações com critério político nas vagas abertas mais recentemente: Marta Suplicy (PT) indicou em 2004 o vereador petista Maurício Faria, enquanto Gilberto Kassab (PSD) colocou seu aliado Domingos Dissei, na época recém-filiado ao seu partido, em 2011.

Normalmente, existe um único candidato de consenso, como ocorreu com Faria e Dissei. Dessa vez, porém, tudo indica que Tripoli não abrirá mão de sua candidatura a favor da indicação governista. Os dois candidatos têm famílias influentes na política paulistana há mais de três décadas e trajetórias bem sucedidas na vida parlamentar.

Ambos foram vice-presidente e presidente do Legislativo e já chegaram a assumir como prefeito interino da cidade. Com atuação na área de meio ambiente e na defesa dos animais, Tripoli, de 59 anos, saiu na frente da disputa pelo TCM e tem hoje assinaturas de apoio de 34 dos 55 vereadores. Tatto, da família que hoje controla pelo menos 10% do PT com a corrente Luta de Massas e com base eleitoral em bairros pobres da zona sul, teve sua candidatura apresentada ontem ao prefeito Fernando Haddad (PT) pela bancada do partido. Seu irmão é o secretário de Transportes Jilmar Tatto.

Caso um dos candidatos não abra mão da disputa após a indicação oficial feita no início de janeiro pela presidência da Câmara, poderá ocorrer pela primeira vez uma eleição com votação nominal no plenário. Apesar de o nome ser indicado pelo Legislativo, é sempre o prefeito quem escolhe o conselheiro e pede sua nomeação à presidência da Câmara.

“O Tripoli se articulou bem antes, muita gente já se comprometeu com ele. Nós estamos começando agora”, afirmou Alfredinho, líder de bancada do PT na Câmara e coordenador da campanha de Tatto. Ele diz ter conseguido em um único dia 23 assinaturas de vereadores a favor de Tatto. “Tem gente que assinou a lista do Tripoli e vai assinar a nossa porque é a favor do debate das candidaturas”, acrescentou.

Muita gente da base governista, entretanto, se comprometeu em defender a candidatura de Tripoli. Alguns dos vereadores mais influentes da Casa, casos de Milton Leite (DEM), Floriano Pesaro (PSDB), Goulart (PSD) e Police Neto (PSD), também prometem tentar levar a disputa ao plenário de Tripoli para enfrentar o nome de Haddad.

Tripoli também já pediu apoio ao próprio prefeito e ao presidente nacional do PT, Rui Falcão. “O meu coordenador de campanha é o Dalton Silvano (PV), ele é quem está passando as listas (para pegar assinaturas de apoio). Prefiro por enquanto não comentar sobre o assunto”, despista Tripoli. “O que posso dizer é que passei por todas as áreas contábeis das comissões do Legislativo, fui presidente, vice-prefeito, prefeito interino. Tenho um bom currículo.”

ANÁLISE

Os tribunais de contas são órgãos públicos encarregados de fiscalizar o uso do dinheiro público. A composição do corpo dirigente desses órgãos é de vital importância pelo fato de ali se julgar a gestão financeira dos fiscalizados. Cabe ao Executivo indicar 1/3 desses dirigentes, sendo que para cada três indicados dois devem ser escolhidos dentre auditores de carreira e membros do Ministério Público de Contas (MPC). Ao Legislativo cabe a indicação dos outros 2/3. Em ambos os casos os nomes passam pela aprovação do Legislativo.  Chama atenção o fato de ainda existir no Brasil um caso extremo dentre os 34 tribunais de contas: o do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Nele, dos cinco atuais conselheiros, quatro são ex-vereadores e o outro foi secretário de um ex-prefeito. Com a recente aposentadoria de um conselheiro, encontra-se aberta uma vaga para o seu corpo dirigente. E o que estamos presenciando? A repetição de situações anteriores: vereadores candidatos, bancadas defendendo nomes, e, praticamente, ninguém na Câmara Municipal, ou mesmo na prefeitura, debatendo publicamente essa questão.  A escolha de um técnico como conselheiro traria outras perspectivas para o julgamento de contas, ampliaria as discussões e daria mais consistência às decisões, minimizando suspeitas de dirigismo político. O prefeito e a Câmara Municipal poderiam, no mínimo, abrir um debate público sobre a escolha do próximo conselheiro. Não é razoável manter essa discussão a um círculo tão restrito uma vez que o acesso a tal cargo não é monopólio dos políticos e trata-se de um importante cargo público com prerrogativas e vantagens semelhantes à de dirigentes do Judiciário. Os paulistanos praticamente desconhecem a existência do TCMSP (que teve orçamento de 252 milhões de reais em 2013). O órgão não possui ouvidoria em funcionamento e, aparentemente, não está desenvolvendo iniciativas para tornar-se transparente e com maior interação com a sociedade. A boa notícia é que já existem tribunais de contas de diversos estados fazendo isso. A má notícia é que o TCMSP está muito aquém e parece não se incomodar com isso.

MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA,  é cientista político e professor de administração pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

MAURÍCIO BROINIZI PEREIRA, doutor em história econômica pela USP, é coordenador da secretaria-executiva da Rede Nossa São Paulo.

Prédio do Tribunal de Contas do Município (TCM), na zona sul: disputa por vaga de conselheiro opõe líder de Haddad e vereador campeão de votos