Na volta à Câmara, Donato nega ter pedido ou recebido dinheiro de fiscal

Militantes petistas lotaram galeria em apoio ao ex-secretário de Haddad. 

Donato deixou cargo após ser citado por investigado na fraude do ISS.

Roney DomingosDo G1 São Paulo

Antonio Donato na volta à Câmara de São Paulo (Foto: Roney Domingos/G1)Ex-secretário Antonio Donato na volta à Câmara de
São Paulo (Foto: Roney Domingos/G1)

O ex-secretário de governo da Prefeitura de São Paulo, Antonio Donato (PT), reassumiu nesta terça-feira (26) o cargo de vereador na Câmara Municipal de São Paulo e leu um discurso de oito páginas no qual afirma nunca ter recebido recursos dos auditores fiscais suspeitos de fraude no recolhimento do Imposto Sobre  Serviços (ISS). Ele chegou a chorar ao lembrar do pai e da avó.

Donato pediu demissão após um dos suspeitos dizer ao Ministério Público de São Paulo que deu a ele dinheiro para custear campanhas políticas. Em escutas telefônicas obtidas pelo Ministério Público, uma das ex-mulheres de um dos suspeitos também menciona a doação de R$ 200 mil para a campanha de Donato.

O ex-secretário negou qualquer relacionamento neste sentido com os suspeitos. "Nunca, em momento algum, pedi a qualquer um deles recursos para campanha e tampouco recebi dinheiro."

Donato afirmou que ele e ex-secretários da gestão Gilberto Kassab (PSD) são  apontados, sem nenhuma prova, como faces do escândalo. Ele cobrou as empresas supostamente corruptoras. "Tenho certeza de que essas empresas e indivíduos não são vítimas dos fiscais. São sócias majoritárias desse esquema criminoso que suga os escassos recursos públicos de nossa cidade", afirmou.

Durante o discurso, ele recebeu apoio de militantes petistas que lotaram a galeria.

Investigação
Donato negou em entrevista à TV Globo as suspeitas de enriquecimento ilícito, apontadas pelo Ministério Público Estadual (MPE) como justificativa para abertura, na terça-feira (19), de uma investigação.

No último dia 12, o ex-auditor fiscal Eduardo Horle Barcellos, investigado por suposta participação no desvio de parte do Imposto sobre Serviços (ISS) pago por construtoras, disse ao Ministério Público que deu R$ 20 mil por mês ao então vereador Donato entre dezembro de 2011 e setembro do ano passado.

Donato pediu afastamento do cargo no mesmo dia, segundo ele, para não prejudicar o governo. Ele retornou ao mandato de vereador pelo PT e disse que, assim, poderia se defender das acusações.

O ex-secretário está sendo investigado por promotores criminais que apuram  o escândalo. Em nenhuma das investigações foi marcada data para o depoimento de Donato.

De acordo com declaração à Justiça Eleitoral, Donato declarou patrimônio de R$ 155 mil às vésperas das eleições. O valor é resultado de aplicações financeiras e de participação ou posse três imóveis. Ele explica que, após a declaração, o patrimônio aumentou com herança recebida da mãe.

"Foi de R$ 200 mil para cerca de R$ 1 milhão com essa herança no ano passado", disse.
"Nunca houve nenhum pagamento por parte desse fiscal, nem de qualquer outro. É claramente uma tentativa de desviar o foco das investigações, realizadas no nosso governo, e que desarticularam essa quadrilha", disse Donato.

Denúncias
Segundo o fiscal Barcellos, o dinheiro que foi enviado para Donato como contribuição de campanha era obtido com cobrança de propina de empresas para dar descontos no Imposto sobre Serviços (ISS).

A expectativa do fiscal com o dinheiro entregue a Donato era garantir que, em uma eventual mudança de gestão, os auditores tivessem facilidades para permanecer no cargo.
Barcellos é investigado e chegou a ser preso por suspeita de integrar o esquema de desvio do ISS na Prefeitura de São Paulo.  Ex-diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança, Barcellos fechou um acordo de delação premiada com o Ministério Público.

O promotor Roberto Bodini disse que o suspeito afirmou em depoimento não ter contado a Donato a origem do dinheiro, que era apresentado como uma "ajuda" de campanha. "Ele esclareceu, é bom que se registre, que em momento algum disse ao vereador que aquele dinheiro era proveniente de propina e disse não ter cientificado o vereador que aquilo era, de fato, uma cobrança criminosa, mas vamos ficar com os números e cada um vai fazer sua avaliação”, disse o promotor.

Barcellos revelou ainda que o então auditor Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como chefe do esquema, também pagava valores mensais a Donato. Segundo Barcellos, ele e Ronilson tratavam os pagamentos como investimentos, pois queriam continuar em bons cargos na Prefeitura caso o PT vencesse as eleições.

Após Donato assumir a secretaria de Governo, Barcellos foi trabalhar na equipe do novo secretário e Rodrigues foi nomeado diretor de Finanças da SPTrans. O auditor repassou ao MP os números de telefone que alega ter usado para falar com Donato. O Ministério Público vai pedir a quebra do sigilo para apurar se as ligações foram realizadas.

A Controladoria-Geral do Município (CGM) instaurou sindicância para apurar se há irregularidade na relação entre Antonio Donato e os suspeitos de fraudes.

Entenda como funcionava a fraude
Segundo a investigação, o grupo fraudava o recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS). Ele é calculado sobre o custo total da obra e é condição para que o empreendedor imobiliário obtenha o “Habite-se”. O foco do desvio na arrecadação de tributos eram prédios residenciais e comerciais de alto padrão, com custo de construção superior a R$ 50 milhões. Toda a operação, segundo o MP, era comandada por servidores ligados à subsecretaria da Receita, da Secretaria de Finanças. O grupo pode ter desviado cerca de R$ 500 milhões da Prefeitura.

Foram detidos na quarta-feira (30) o ex-subsecretário da Receita Municipal Ronlison Bezerra Rodrigues (exonerado do cargo em 19 de dezembro de 2012), Eduardo Horle Barcellos, ex-diretor do Departamento de Arrecadação e Cobrança (exonerado em 21 de janeiro de 2013), Carlos Di Lallo Leite do Amaral, ex-diretor da Divisão de Cadastro de Imóveis (exonerado em 05 de fevereiro de 2013) e o agente de fiscalização Luis Alexandre Cardoso Magalhães. O fiscal Magalhães fez acordo de delação premiada e foi libertado na segunda-feira (4).

Além dos quatro e de Fábio Camargo Remesso e o auditor fiscal Amilcar José Cançado Lemos são citados. Apesar da suspeita de envolvimento, nenhum dos dois foi detido. Remesso foi  exonerado no sábado (2) . Ele era assessor da Coordenação de Articulação Política e Social, da Secretaria Municipal de Relações Governamentais. Já Lemos foi afastado e deve ser exonerado nesta terça-feira (5).

Além do processo criminal, todos investigados serão alvos de processo administrativo disciplinar. Uma comissão processante avalia se devem ser demitidos.

A Justiça determinou o bloqueio dos bens dos quatro suspeitos detidos inicialmente. Já foram localizados uma pousada de luxo em Visconde de Mauá, apartamento de alto padrão em Juiz de Fora (MG), barcos, automóveis de luxo. Há ainda indícios de contas ilegais em Nova York e Miami, além de imóveis em Londres.

Matéria publicada originalmente pelo Portal G1/SP