Vamos engrossar o caldo político

Por Milton Jung

 

O antigo mobiliário do auditório do Pateo do Colégio estava devidamente organizado e lustrado para receber o grupo de cidadãos comprometido com a ideia do Adote um Vereador. A louza branca pendurada na parede do fundo do palco não era a única a destoar naquele cenário formado por um piano de cauda, balcão enorme e cadeiras de encosto alto, ambos de madeira escura, refletindo a antiguidade. Muitos de nós, acostumados aos encontros que ocorrem todo segundo sábado do mês no bar do Pateo, regado a café, água e descontração, parecíamos constrangidos em meio a pompa e circunstância do ambiente. Além disso, o sol e a temperatura de sábado estavam mais convidativos para passear pelas ruas e praças do centro de São Paulo. Mesmo assim preferimos caminhar até lá e nos sentar para assistir à palestra do cientista social Humberto Dantas, convidado especial desse encontro.

 

Dantas é jovem e entusiasmado como a maioria de nós que participa do Adote um Vereador (ok, eu sou mais entusiasmado do que jovem), com a vantagem que estudou e estuda as coisas que movem a sociedade, enquanto nós somos espécies de autodidatas da política. Aprendemos na marra, assistindo aos políticos fazerem sua política, cobrando deles posturas que consideramos ser as mais apropriadas para o cargo que ocupam e cidade que representam. Por isso, prestamos muito atenção em cada história contada pelo professor que dominou o público com extrema habilidade, mesmo nos momentos mais tensos do debate que, algumas vezes, foi interrompido pela ansiedade da audiência em opinar.

 

Em quase duas horas, demonstrou seu descrédito com as reformas políticas propostas nestes anos todos no país e questionou a necessidade de mudanças nas leis, novamente. Lembrou que desde a redemocratização nunca disputamos uma eleição com as mesmas regras da anterior, o que não significa que tenhamos evoluído no processo. A impressão que tive é que acredita menos nos sistemas e mais no poder dos homens em mudar comportamentos. Se estiver enganado, me corrija, professor.

 

Dantas contou histórias curiosas sobre a forma de agir de vereadores. Um dos casos mais curiosos é o da câmara municipal que funciona no mesmo prédio da secretaria de assistência social da cidade. Quando o morador vai até lá para pedir ajuda à prefeitura, os funcionários pedem para eles descerem até os gabinetes e pegarem com os vereadores papeletas coloridas que são como senhas para autorizar a prestação de serviços em áreas distintas como entrega de cesta básica, gratuidade no transporte e compra de remédios. Em outra, são os vereadores que providenciam o enterro e velório dos mortos, oferecendo serviço supostamente de graça para ajudar os familiares em hora tão difícil. Detalhe: todos os serviços são, por lei, fornecidos pelo município. Ou seja, não havia necessidade da interferência do político.

 

Para o sociólogo, as faltas de conhecimento e de consciência da sociedade brasileira permitem que os políticos se comportem de maneira clientelista e se aproveitem do poder e dinheiro públicos. Com a experiência de visita que fez na Europa, Dantas mostra o caminho das pedras para melhorar a política no Brasil. Na Alemanha, se surpreendeu quando viu um grupo de alunos, de sete e oito anos, assistindo à aula de valores – isto mesmo, valores: ética, moral, bom comportamento, etc. Uma garotada que, a partir daquela discussão, assumiria compromissos de melhoria da sua cidade.

 

Terminou sua fala, antes de intensa sessão de perguntas e respostas, recomendando que continuemos a pressionar nossos representantes, a fiscalizar as ações no poder legislativo e a interferir na política local. E ratificou nossa luta no Adote um Vereador, iniciada em 2008, assim como de todos os demais que atuam em organizações sociais ou individualmente – alguns presentes no encontro – nos convidando a “engrossar o caldo da cultura política, no Brasil”.

 

O Adote um Vereador agradece a gentileza de Humberto Dantas de nos ajudar a pensar um pouco mais profundamente sobre a política – assim como agradecemos a disposição do Pateo do Colégio de nos abrir espaço tão nobre na casa para esta pensata. E deixa ao professor a garantia de que saímos de lá dispostos a colocar ainda mais farinha neste pirão.