Vereadores de SP cancelam quase metade das sessões e criam "folga extra" às quintas

Matéria veiculada originalmente pela Rádio CBN

 

Os vereadores de São Paulo cancelaram 40% das sessões plenárias previstas para 2018, a maioria às quintas-feiras ou em véspera de feriado. Até apresentação de trabalho acadêmico foi colocada no lugar da sessão. O resultado é que os vereadores tiveram sete "mini-férias" ao longo do ano, além das regulamentares.

 

 

Um dos requerimentos assinados pela maioria dos vereadores (Crédito: Guilherme Balza/CBN)

Um dos requerimentos assinados pela maioria dos vereadores

Crédito: Guilherme Balza/CBN
 

POR GUILHERME BALZA

As sessões no plenário acontecem às terças, quartas e quintas à tarde. Esse é o único momento em que os vereadores precisam registrar presença, caso contrário têm o salário descontado. Mas eles arrumaram um jeito de não trabalhar nesses dias e mesmo assim não ter desconto.

Em 2018, estavam previstos 116 dias com sessões, mas elas só aconteceram em 67 dias. 47 sessões, 40% do total, foram canceladas. Vinte e uma por falta de quórum. Nesse caso, mesmo os faltosos não foram descontados. Isso porque a Câmara ignora dois pareceres da Procuradoria da Casa que recomendam, quando não há quórum, o desconto do salário do vereador que faltou.

Outras cinco sessões foram canceladas por morte de familiar de vereador. A terceira forma de cancelar as sessões sem prejuízo do salário é uma manobra que envolve a casta mais alta da burocracia da Casa. Isso aconteceu 21 vezes no ano.

Funciona assim: na véspera, os vereadores apresentam à mesa-diretora um requerimento, assinado por pelo menos 28 parlamentares, para desconvocar a sessão, sem qualquer justificativa. Apenas informam que no lugar vai acontecer uma reunião técnica, sem assunto definido. A vereadora Soninha Francine, do PPS, foi uma das que assinou requerimentos.

"Soninha - Acho que como prática usual não é certo
Reportagem - Isso coincidir sempre com véspera de feriado e também com o período eleitoral não é estranho?
Soninha - Quando coincide, sim. Mas não é só: muitas sessões de quinta-feira têm sido desconvocadas. Virou uma prática constante mesmo."

Quase todos os requerimentos são de autoria do vereador Dalton Silvano, do DEM, que não quis dar entrevista à CBN.

O secretário-geral parlamentar, Breno Gandelman, escolhe um subordinado para dar uma palestra, mesmo à contra-gosto. De um dia pro outro, o eleito deve definir um assunto qualquer. Houve um caso em que o chefe da taquigrafia deu palestra sobre transcrição de voz em tempo real

Há casos em que o servidor transfere a tarefa para um subordinado. Em 14 de novembro, uma estagiária apresentou seu trabalho acadêmico sobre mudanças urbanísticas no bairro de Perdizes. Outros estagiários falaram de suas pesquisas sobre a Greve de 1917 e a Revolta Paulista de 1924. As palestras duram entre 30 minutos e uma hora. São assistidas por poucos servidores da Casa, escalados para fazer número. Nenhum vereador acompanha. Ao contrário das sessões plenárias e audiências, essas reuniões não são registradas em vídeo, foto ou áudio.

O vereador Gilberto Natalini, do PV, critica a prática.

"Muitas e muitas vezes aparece um requerimento desvocando a sessão da quinta-feira e colocando no lugar qualquer coisa que não é a sessão. Virou moda desconvocar a sessão de quinta-feira pra realizar alguma audiência, alguma coisa. Não tem nada mais sagrado na Câmara Municipal do que a sessão plenária."

A manobra revolta os servidores da Casa. Eles dizem que isso acontece na base do toma-lá-dá-cá. O secretário-geral e outros supervisores ajudam os vereadores e, em troca, continuam recebendo salários acima do teto, entre outros benefícios.

FOLGA DE QUINTA

A maioria das sessões canceladas aconteceria às quintas-feiras. Na gestão do presidente da Casa, Milton Leite, do DEM, as quintas viraram uma espécie de folga extra. Em 2018, das 38 sessões de quinta previstas, apenas oito aconteceram. No segundo semestre, só houve uma sessão de quinta, das 17 programadas.

Na quinta passada, a sessão foi cancelada para dar lugar a uma audência com a Guarda Civil Metropolitana. Apenas cinco vereadores participaram. No mesmo horário, aconteceu uma partida de futebol entre vereadores e funcionários no estádio do Palmeiras.

Os cancelamentos coincidem também com vésperas de feriados e criam "mini-férias" para os vereadores. No Carnaval, eles ficaram 13 dias seguidos sem sessão. Na Páscoa, 11 dias. Em abril, 13 dias entre os feriados de Tiradentes e Primeiro de Maio. Em junho, 9 dias de folga durante jogos do Brasil na Copa. Nas eleições, foram 12 dias seguidos sem sessão antes do primeiro turno e outros 12 dias no segundo turno.

O vereador Adilson Amadeu, do PTB, assinou vários requerimentos e responsabilizou a presidência.

"Todos os requerimentos que foram assinados por mim, se eu fiz, é porque tecnicamente a mesa-diretora me convenceu de que ia ter alguma atividade na Casa. Agora, a melhor coisa pra você, jornalista, também era pegar o presidente e a mesa-diretora pra que eles explicassem melhor esse tema."

OUTRO LADO

Procurada, a assessoria da Presidência da Câmara informou que a atuação dos vereadores não se restringe às sessões e que a atividade parlamentar envolve o atendimento aos cidadãos, visita aos bairros, redação de projetos de leis, CPIs e audiências públicas. A presidência sustenta ainda que as desconvocações estão previstas no regimento e só acontecem se a maioria dos vereadores concordar.